• Autor: Marisa Antunes – Advogada

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: Janeiro 2020

Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o superior interesse da criança.”(artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989). O princípio do superior interesse da criança foi incorporado no direito português e tornou-se essencial na discussão dos direitos das crianças. Trata-se de um princípio jurídico estruturante e de um conceito indeterminado, o que se traduz, amiúde, em interpretações opostas dos preceitos legais, circunstâncias que não favorecem, antes colidem, com a necessidade de garantir a segurança jurídica e a confiança dos cidadãos, valores essenciais num Estado de Direito. O princípio do “interesse superior da criança” é fundamental no sistema jurídico do nosso País e consta dos textos convencionais mais relevantes sobre a criança.

A Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 69.º, n.º 1 que “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.” Na busca da concretização do mencionado princípio, tem-se procurado enunciar o conjunto de direitos da criança cuja violação ou desrespeito permite antever uma situação de prejuízo ou perigo, por forma a ponderar se a sua verificação merece, designadamente, a aplicação de medidas de proteção que afastem o perigo para a saúde, segurança, formação moral ou educação da criança, sempre visando a prossecução do seu desenvolvimento integral, bem jurídico garantido pelo artigo 69.º da Constituição da República.

O Código Civil, no artigo 1874.º consagra, no seu n.º 1, que “Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.” O n.º 2 do mesmo artigo refere que “o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.” À colação, a este respeito, teremos ainda que chamar o artigo 1877.º que prevê que “Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação.”

Porém, existem situações em que os pais ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais. O artigo 913.º do Código Civil prevê algumas situações e o artigo 915.º estipula que “A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres.”

Para além da inibição, em casos menos graves os progenitores poderão ficar limitados no exercício das suas responsabilidades parentais. Tais medidas limitativas estão hoje previstas na Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e visam a promoção dos direitos da criança e a sua proteção.

Por outro lado, com o aumento da taxa de divórcios e de separação conjugal, a articulação da proteção dos direitos das crianças nem sempre é fácil na sequência dessas ruturas, em que não raras vezes existe grande tensão e conflituosidade entre os progenitores. A este respeito, a juíza Sottomayor defende que o critério judicial para decidir a guarda, nos casos de conflito, deve ser o critério, neutro em relação ao sexo, que é designado por “pessoa de referência”. Significa este critério que a guarda de crianças deve ser confiada ao progenitor que delas cuidou, predominantemente, no dia-a-dia” e acrescentamos e que, melhor está em condições de cuidar.

Ora, na nossa opinião, a solução para o problema supra mencionado não passa (nem pode passar) por obrigar as crianças, em massa, depois do divórcio ou separação dos pais, a viver em residência alternada, revogando (ou ignorando) a sua forma de vida antes da separação dos pais, nem passa por sujeitar as crianças, nos casos litigiosos, a uma maior exposição ao conflito. Como bem diz, e bem, a juíza conselheira Clara Sottomayor, tem de prevalecer o interesse da criança.

Para que uma decisão não venha comprometer a criança o juiz deve harmonizar o superior interesse da criança com as responsabilidades parentais, não devendo haver incompatibilidade entre estes dois princípios.

A decisão torna-se mais difícil à medida que os processos já delicados por natureza se tornam mais complexos, o que sucede, por exemplo, nas situações em que existe/existiu violência doméstica ou violência contra as crianças, tendo lugar, num ambiente de rutura de relacionamento entre os progenitores, potenciador de contaminação do vínculo parental.

Pese embora os processos de violência doméstica sejam processos crime que correm termos num tribunal diferente daquele em que corre o processo de regulação para o exercício das responsabilidades parentais (cuja competência é do Tribunal de Família e Menores), a nossa opinião é que, este último, não poderá ignorar a existência desses processos e o desenvolvimento dos mesmos de forma a minimizar eventuais riscos, físicos e psicológicos, existentes para o menor pelo que são de grande importância e responsabilidade os relatórios técnicos elaborados pelas equipas especializadas em que, algumas das vezes, não tiveram o tempo suficiente com os progenitores para retirarem ilações sem reservas. “As crianças que assistem à violência também são vítimas. E é fundamental dar primazia à proteção”.

Marisa Antunes, Advogada, com a colaboração da Advogada estagiária Giovanna Fiorotto, Manuel Rebanda & Associados