• Autor: Marisa Ferreira Antunes – Advogada

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: 20 de Novembro de 2020

No passado dia 16 de outubro de 2020 foi aprovada, na Assembleia da República, a Proposta de Lei 41/XIV, que estabelece medidas especiais de contratação pública e procede à alteração do Código dos Contratos Públicos e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Este diploma entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2021 e “alegadamente” pretende simplificar e agilizar a contratação pública, tendo sido criado um vasto conjunto de medidas especiais para o efeito.

Este conjunto de medidas aplica-se em matéria de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, de habitação e descentralização, de tecnologias de informação e conhecimento, de saúde e apoio social, de execução do Programa de Estabilização Económica e Social e do Plano de Recuperação e Resiliência, de gestão de combustíveis no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) e, ainda, de bens agro-alimentares.

Estas medidas representam especificidades perante os procedimentos previstos no Código dos Contratos Públicos, nomeadamente: a redução do prazo para a apresentação de propostas e candidaturas em concursos públicos e em concursos limitados por prévia qualificação, sem necessidade de alegar uma situação de urgência como justificação; a promoção de procedimentos simplificados de formação de contratos públicos (concurso público simplificado, concurso público limitado por prévia qualificação simplificado e consulta prévia simplificada) cujo valor seja inferior aos limiares que determinam a publicação obrigatória de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia;  a diminuição do grau de exigência aplicável aos participantes nos procedimentos.

Esta Proposta de Lei, agora aprovada, foi e está a ser alvo de várias críticas, nomeadamente por poder vir a ter um efeito favorecedor de más práticas administrativas, numa área já tão marcada pelos escândalos de corrupção. As maiores acusações ao diploma referem-se aos possíveis riscos acrescidos que estas alterações comportam no que respeita ao aumento do clientelismo, da corrupção e da discricionariedade e, bem assim, à da redução da concorrência, do respeito pelo mérito e da exigência de avaliação dos contratos a celebrar.

Ciente desses riscos, o legislador, para combater os mesmos previu um sistema reforçado de fiscalização, especificamente, pensado para as medidas especiais agora aprovadas.

Consagra-se, assim o dever de as entidades adjudicantes assegurarem, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria de prevenção e combate à corrupção, obrigando-se alguns adjudicatários, relativamente a determinados contratos, a apresentar um plano de prevenção de corrupção e de infrações conexas, enquanto documento de habilitação.

Por um lado, todos os contratos celebrados ao abrigo desta legislação devem ser remetidos para o Tribunal de Contas, no prazo de 30 dias a contar da respectiva celebração, com excepção dos casos que se encontram legalmente submetidos a fiscalização prévia.

Por outro lado, prevê-se a criação de uma comissão independente de acompanhamento e fiscalização, à qual compete acompanhar e fiscalizar a aplicação das medidas especiais de contratação, elaborando, semestralmente, relatórios de avaliação.

Note-se, que, em Portugal, a área da contratação pública tem sido alvo de consecutivas alterações (sendo esta a 12.ª em 12 anos), que afetam o efetivo conhecimento dos regimes em vigor e impedem uma melhor aplicação prática dos mesmos. Cremos que apenas depois da entrada em vigor do novo diploma perceberemos, realmente, os verdadeiros efeitos das alterações efetuadas nesta matéria, nomeadamente, no que diz respeito às consequências no princípio da concorrência.

Marisa Ferreira Antunes, Advogada na Sociedade de Advogados Manuel Rebanda & Associados, com a colaboração da Advogada estagiária Ana Maria Borges.

*Imagem de destaque utilizada foi retirada do Google.