• Autor: Marisa Ferreira Antunes – Advogada

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: 2 de Outubro de 2020

Com o escopo de reforçar e implementar novas medidas de prevenção, transparência e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, entrou em vigor, no passado dia 1 de setembro, a Lei n.º 58/2020, de 31/08, que procede à transposição para a ordem jurídica portuguesa da Diretiva 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30/05/2018, que altera a Diretiva 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e a Diretiva 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/10/2018, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal, introduzindo importantes alterações legislativas.

Entre as alterações verificadas, reveste exponencial importância, primeiramente, o alargamento do âmbito de aplicação de tais medidas a novas categorias de entidades, que passam a estar sujeitas a registo obrigatório pelo Banco de Portugal. Esta ampliação do âmbito subjetivo verifica-se quer no setor financeiro, quer no setor não financeiro, dentro do qual se destacam as entidades que exercem qualquer atividade de troca, transferência ou guarda de ativos virtuais.

Ora, é precisamente na questão dos ativos virtuais que reside um dos principais pontos do presente regime, devido ao elevado risco que está subjacente à utilização destes sistemas financeiros alternativos que permitem o anonimato do seu utilizador, e à facilidade em utilizá-los para ocultar a origem fraudulenta de determinados fundos ou como mecanismo de financiamento de grupos terroristas.

Além de tudo isto, verifica-se igualmente um reflexo do novo normativo no Código Penal, que viu o conjunto dos ilícitos típicos que integram o crime de branqueamento de capitais, ser ampliado. Igualmente, se verificou um agravamento da moldura penal em um terço, em circunstâncias em que a violação é praticada pelas referidas entidades, no exercício da sua atividade profissional.

A lei em análise veio também introduzir alterações à Lei n.º 83/2017, de 18/08, alargando o âmbito dos deveres a cumprir pelas entidades abrangidas por estas medidas, entre as quais se inserem os advogados.

Tal como as restantes entidades, também os advogados estão obrigados aos deveres de identificação, diligência e comunicação, sempre que intervenham em operações requeridas pelo cliente que levantem suspeitas de envolvimento em branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, devendo denunciar a violação.

Ora, sendo o dever de sigilo a que estão sujeitos os advogados o valor mais valioso e absoluto da profissão, não estaremos a colocar em causa a confiança depositada no advogado pelo cliente e o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados? Não será necessária uma reformulação da atual lei ou uma revisão do Estatuto por forma a evitar a contradição com que nos deparamos? Cremos que sim.

Marisa Ferreira Antunes, Advogada Associada da Manuel Rebanda&Associados; com a colaboração das estagiárias Inês Santos e Giovanna Fiorotto.

*A imagem de destaque utilizada foi retirada do Google.