• Autor: Silva Rebelo – Advogado

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: 19 de Março de 2021

De acordo com o último relatório do Observatório de Tráfico de Seres Humanos, (OTSH), disponível em  www.otsh.mai.gov.pt, de 2019, só em Portugal, foram sinalizadas 261 (presumíveis) vítimas de tráfico humano. Entre as finalidades do tráfico consta em primeira linha a exploração laboral, seguindo-se a exploração sexual, exploração de mendicidade, prática de atividades criminosas e venda de menores.

Não raras vezes as vítimas de tráfico são oriundas de países com problemas sociais, económicos ou políticos mas, na realidade, podendo também ser nacionais, neste caso traficadas dentro de Portugal de um ponto para o outro do país.

Habitualmente as vítimas são atraídas de forma enganosa com promessas de condições de trabalho aliciantes, sendo recorrente que desde o país /local de origem até ao de destino final,  estas sejam controladas por alguém ligado ao trafico de seres humanos. Uma vez chegadas ao destino são frequentemente ameaçadas ou coagidas para realizarem o fim da exploração.

A lei portuguesa, no artigo 160.º do código penal define o crime de “tráfico de pessoas” como praticado por “quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas” podendo ser levado a cabo por meio de violência, rapto, ameaça grave, abuso de autoridade, ardil ou manobra fraudulenta, por aproveitamento da incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima. Por se tratar de um tipo de crime em que a vítima fica numa situação de especial vulnerabilidade, o facto de esta alegadamente consentir o cometimento do crime não exclui em caso algum a ilicitude.

As vítimas de tráfico humano, à semelhança das vítimas de violência doméstica,   beneficiam do “estatuto de vítima”  (conforme definido pela Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro), o que lhes confere um conjunto de garantias e direitos específicos como é o caso do direito à informação sobre o tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio e o tipo de apoio que pode receber, incluindo apoio jurídico. Acresce ainda o direito à proteção quanto à segurança e salvaguarda da vida privada, e proteção contra os agressores devendo nestes casos ser evitado ao máximo o contacto entre ambos. Destaca-se o direito a uma indeminização que pode ser atribuída pelo tribunal independentemente da vítima o requerer  bem como a garantia de que a vítima consegue comunicar livremente com as autoridades competentes ao longo do processo.

No caso concreto das vítimas de tráfico humano, em  virtude da transposição da diretiva europeia  2004/81/CE passou a ser possível a concessão de autorização de residência, independentemente de estas terem entrado ilegalmente em Portugal e preencherem ou não as condições de concessão de atribuição de visto de residência.  Foram criados vários locais de alojamento e abrigo para onde as vítimas poderão ser encaminhadas,  uma vez que maioritariamente estas pessoas vivem na dependência dos agressores e como tal não têm capacidade de autossustentação.

O crime de tráfico de pessoas é muitas vezes despercebido mas com uma incidência bastante acentuada o que motiva alterações legislativas constantes a fim de travar o seu crescimento. Nos últimos anos têm sido criados mecanismos de suporte às vítimas cada vez mais capazes com vista a garantir a segurança destas numa situação pós conhecimento do crime pelas autoridades.

*A imagem de destaque utilizada foi retirada do Google.