• Autor: Marisa Ferreira Antunes- Advogada

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: 5 de Setembro de 2019

Foi recentemente decidido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão 298/2019 de 15 de maio de 2019, ser inconstitucional a realização de ação de inspeção tributária como forma de obtenção de prova no âmbito de um processo crime pela prática de crime fiscal.

Este Acórdão revela-se fundamental na defesa dos direitos do arguido. É que se no âmbito do processo criminal todo o arguido tem direito ao silêncio e a não ser coercivamente obrigado a contribuir ativamente para a sua condenação, já no âmbito da inspeção tributária o sujeito passivo está sujeito ao dever de cooperação, sendo que a recusa de colaboração e a oposição à ação de inspeção tributária tem como consequência a responsabilidade contraordenacional e criminal do infrator. Note-se que na ação de inspeção tributária os inspetores tributários têm livre acesso às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo tempo necessário às suas funções e o direito ao exame, requisição e reprodução de documentos para servirem de consulta e junção, se for caso disso, a relatórios e a eventuais processos. Desta forma, o arguido nesta situação assume a posição, simultânea, de investigador e investigado.

Assim, numa ação de inspeção tributária realizada após a abertura do processo criminal, o contribuinte/arguido vê-se “encurralado” entre cooperar e contribuir para a sua incriminação no processo penal ou não cooperar, cometendo desta forma o crime de violação do dever de cooperação previsto no artigo 32º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Desta feita, sustenta o Tribunal Constitucional que o arguido teria direito a recusar-se a ceder prova, salvo mediante decisão judicial que ordenasse buscas ou apreensão de documentos , pelo que a obtenção da mesma da forma supra exposta deve ser de considerar inconstitucional por violar o princípio do Estado de Direito, da igualdade, do direito à integridade moral, à reserva da intimidade da vida privada, o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos atos instrutórios  de inquérito, da inviolabilidade da correspondência e do princípio do processo equitativo, nomeadamente pela proibição da autoincriminação do arguido.

Esta decisão inovadora é por nós aplaudida uma vez que toda e qualquer restrição aos Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos deve ser decidida por um juiz, com vista à garantia de um processo justo e equitativo e não minuciosamente engendrada pela Administração Tributária com vista à obtenção de provas que de outro modo não obteria para a condenação do arguido.

Marisa Antunes, Advogada e Sara Lourenço, Advogada  Estagiária

Manuel Rebanda & Associados

*A imagem de destaque utilizada foi retirada do Google.