• Autor: David Coelho Mendes – Advogado

  • Publicado por: Diário de Coimbra

  • Data: 02 de Abril de 2021

Foi apresentado aos parceiros sociais, esta semana, na quarta-feira, o Livro Verde para o Futuro do Trabalho, da iniciativa do Governo, o qual anuncia, entre outros, 21 pontos de destaque que poderão consistir em futuras alterações às leis laborais – um desses pontos diz, exactamente, respeito ao teletrabalho.

Na senda da decisão de prorrogar o regime excepcional e transitório de reorganização do trabalho, no contexto do(s) actuai(s) Estados de Emergência, decisão aquela que tornou obrigatória, até ao final do ano de 2021, a adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador, medida a aplicar nos concelhos com maior risco de transmissão da COVID-19, o novo Livro do Governo incide sobre esta mesma matéria.

Propondo-se a desenvolver “modelos híbridos de trabalho presencial e à distância numa óptica de equilíbrio na promoção das oportunidades e mitigação dos riscos desta modalidade”, o Governo aparenta desejar alargar as situações em que o trabalhador tem direito ao teletrabalho independentemente do acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial, nomeadamente no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, e em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade.

Repare-se que estamos perante um Livro Verde, ou seja, um instrumento destinado à direção da discussão pública, servindo de meio de diagnóstico, levantamento de problemas e linha de orientação, e não perante um Livro Branco, ferramenta que se costuma seguir aos livros verdes, carregando já, no seu seio, medidas e propostas legislativas concretas. No entanto, o método do Governo tem sido transitar imediatamente dos Livros Verdes para reformas legislativas, sem passar pelo ponto intermédio.

Neste momento, exceptuando as situações anormais criadas pelo Estado de Emergência, as possibilidades que aos trabalhadores são concedidas de transitar unilateralmente para um regime de teletrabalho são muito reduzidas: apenas nos casos em que o trabalhador tem a seu cargo filho com idade até três anos ou nos casos em que um trabalhador vítima de violência doméstica tenha abandonado a casa de morada de família.

Ora, estes são casos fronteira ou limite, tendo o legislador, em todas as outras situações, sido extraordinariamente cauteloso, obrigando o trabalhador e o empregador a colocar-se de comum acordo quanto à transição daquele para um regime de teletrabalho. Porventura com boas razões, muitas das quais no interesse do próprio trabalhador.

Um ano depois de a generalidade dos portugueses ter transitado para um regime de prestação do trabalho à distância, via telemática, e quando se afigura que tal situação se irá estender pelo resto do presente ano, o alargamento das situações em que o trabalhador pode recorrer unilateralmente ao teletrabalho coloca questões importantes para as quais não existe, ainda, resposta: quais são os impactos do teletrabalho? Quais são os custos para as empresas? E para os trabalhadores? Quais são os efeitos na produtividade? E no bem-estar dos trabalhadores, que podem ver um esbater de fronteiras entre a vida pessoal e a vida profissional?

Todas estas questões mereciam um estudo aprofundado, na sequência dos dados recolhidos durante a pandemia, estudo esse que, lamentavelmente, não se encontra feito.

David Coelho Mendes, Advogado, Manuel Rebanda & Associados*

*Com a colaboração do Dr. João Roque Branco, Advogado-Estagiário