Autor: Carlos Pereira da Silva – Advogado
Publicado por: Diário de Coimbra
Data: 11 de Dezembro de 2020
Em tempos de risco, incerteza e insegurança, como são estes que vivemos, à boleia de uma pandemia mundial, certas questões existem que interpelam o que de mais essencial existe para uma comunidade. Como sempre, a tais questões é extraordinariamente difícil responder em termos de um sim ou não concludentes.
Agora que nos encontramos no sexto período de Estado de Emergência, poderá parecer despropositado oferecer aos leitores a interrogação a que nos propomos. Tal Estado de Emergência, e a sua sequência de renovações, terá, porém, um fim – e a questão que vos deixaremos permanecerá, por certo.
Desde que a pandemia COVID-19 estalou, já milhares de portugueses foram alvo de ordens de isolamento profilático. Na esmagadora maioria dos casos, essas ordens provieram de Autoridades Regionais de Saúde (ARS), ou tão-só do rosto desconhecido que se encontra do outro lado da Linha SNS24, em todos os outros casos. Porém, várias têm sido as vozes de relevo que se têm oposto a tais situações, acompanhadas, por vezes, por alguns dos nossos Tribunais.
Uma das mais recentes decisões judiciais a ser proferida neste conspecto, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, arrasou a actuação de uma daquelas ARS’s, considerando não só que tais confinamentos, fora do Estado de Emergência, constituem uma privação da liberdade, mas também que aquelas ARS’s não dispõem, à luz da Constituição e da ordem jurídica, de legitimidade para impor e validar tais privações, as quais só poderão ser validadas por um Tribunal, sob pena de se considerarem uma detenção ilegal.
Mais considerou aquele Tribunal que o diagnóstico de uma infecção ou doença, como o vírus SARS-COV-2, assim como a prescrição de um isolamento, são actos médicos cujo exercício respeita aos médicos inscritos na Ordem dos Médicos e a nenhuma outra entidade, razão pela qual não cabe às ARS’s ou à Linha SNS24 determiná-los, especialmente nos casos em que o infectado ou caso suspeito não é visto, em momento algum, por um médico, baseando-se tal decisão tão-só na existência de um teste PCR positivo, no caso dos infectados – testes estes de cuja eficiência, aliás, aquele Tribunal, apoiado em fontes científicas credíveis e verificadas, duvida.
Ora, atenta a posição assim expressa pela Relação de Lisboa, consideram alguns legítimo questionar se a um Tribunal caberá, num momento como este, proferir uma decisão judicial cujos efeitos potenciais serão a colocação em causa das poucas medidas existentes para controlar a propagação de um vírus que há meses nos assola e aterroriza.
Outros, menos dados a inclinações funcionalistas, ripostarão, interpelando os primeiros pelo lugar, afinal, dos direitos fundamentais, em especial dessa ideia de liberdade que seria central ao Estado de Direito e ao que de mais profundo existe na natureza da pessoa humana. Não estarão Vós, os que contestam este Tribunal, a abrir as portas a um ataque aos valores fundacionais do que é Humano, ataque esse a que dificilmente se porá um fim?
A resposta a tal questão dependerá sempre da possibilidade prévia de equilibrar aquilo que foi feito para entrar em choque: o justo e o eficaz.
Artigo elaborado com a colaboração do advogado estagiário João Roque Branco
Carlos Pereira da Silva
Advogado/Sócio
Manuel Rebanda & Associados
*Imagem de destaque utilizada foi retirada do Google.