Autor: David Coelho Mendes – Advogado
Publicado por: Diário de Coimbra
Data: 18 de Dezembro de 2020
Em 31-07-2020, tornou-se definitiva a decisão proferida em 31-03-2020 pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que condenou o Estado Português pela violação do “direito a um processo equitativo”, sustentando, entre outras coisas, que o «Tribunal Constitucional demonstrou um formalismo excessivo ao declarar inadmissíveis os recursos constitucionais [em apreço] por desrespeito das condições legais».
A lei portuguesa, de facto, estabelece rigorosos critérios acerca daquilo de que se pode recorrer e da forma como devem ser interpostos os recursos para os tribunais superiores.
No caso particular dos recursos para o Tribunal Constitucional (TC), o respeito pelos critérios materiais e formais que resultam expressamente da lei são, o mais das vezes, insuficientes para que o recurso seja sujeito a apreciação, antes se vendo o recorrente obrigado a respeitar também os requisitos impostos pela jurisprudência do próprio TC. Não é alheio a este extremo formalismo legal e jurisprudencial o facto de, todos os anos, mais de metade dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade culminar em rejeição sumária (não sendo sequer apreciados).
Sujeitar a admissão/apreciação de um recurso ao cumprimento de ónus formais excessivamente rígidos ou ao preenchimento de determinados critérios (como o valor da causa, a sucumbência, a inexistência de dupla conforme…) tem um efeito prático de limitar o número de recursos que os tribunais superiores são obrigados a apreciar.
Compreende-se que os ónus formais sejam impostos por razões de melhor perceção e processamento do âmbito recursivo (o tribunal não terá, certamente, a obrigação de adivinhar ou sequer de organizar aquilo que o recorrente pretende alegar), mas tais ónus não deveriam de ser rígidos ao ponto de a sua omissão determinar uma total rejeição liminar do recurso se a matéria e os argumentos a discutir forem perfeitamente inteligíveis.
E, ainda que se possa tentar justificar o uso de critérios limitadores do acesso às instâncias superiores (valor da causa, sucumbência, dupla conforme…) com a ideia de que as decisões dos tribunais “inferiores” merecem total credibilização (enquanto decisões justas e juridicamente corretas que se pressupõe serem) e de que, por isso, torna-se dispensável a sua “fiscalização” pelos tribunais superiores, questionar-se-á sempre se a verdadeira intenção desta “limitação” não será antes a de privilegiar a celeridade processual e a de findar o maior número de processos no menor período de tempo, mesmo que isso implique a criação de obstáculos ao acesso dos cidadãos à justiça, à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo e equitativo.
O facto de o número de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público pouco ou nada ter aumentado nas últimas duas décadas e de, no final do ano de 2018, o n.º de processos findos por juiz ser, em média, de 363, quiçá evidenciará um problema de sobrecarga processual que vem recaindo sobre os profissionais dos tribunais (magistrados e funcionários judiciais) decorrente dum reiterado desinteresse do Estado em investir na justiça (nomeadamente admitindo mais juízes), percebendo-se, então, por que razão é estabelecido pela lei e pela jurisprudência um formalismo que o próprio TEDH considera “excessivo” e violador do direito a um processo equitativo.
David Coelho Mendes, Advogado, Manuel Rebanda & Associados
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